Quase 100 anos após o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss vir a Mato Grosso do Sul, sua viúva, Monique Lévi-Strauss, decidiu publicar mais de 30 desenhos das mulheres ejiwajegi kadiwéu encontrados no arquivo pessoal do pesquisador. A questão é que, segundo os representantes do povo indígena, eles nunca foram contatados sobre o novo livro que já está à venda. Ou seja, não deram autorização.
Até o momento, os desenhos não foram divulgados, mas o livro já pode ser reservado por 21 euros (cerca de R$ 129).
Para contextualizar, o antropólogo é um dos grandes nomes europeus em sua área e fez um trabalho de pesquisa na então aldeia Nalike (que ficava localizada em Porto Murtinho). Na época, ele retornou à França com mais de 30 desenhos feitos por mulheres da etnia ejiwajegi kadiwéu.
No passado, uma série de itens produzidos e vinculados aos povos indígenas brasileiros foi coletada como peças “curiosas” por pessoas de outros países. Exemplo disso é o Manto Tupinambá, que entrou em grande discussão neste ano, já que estava na Dinamarca e foi devolvido ao Brasil após uma série de negociações.
Citando esse exemplo em uma carta aberta, os representantes kadiwéu argumentam que há, inclusive, um Projeto de Lei nº 118/24 apresentado na Câmara dos Deputados sobre repatriação de artefatos dos povos originários e tradicionais.
A arte indígena, quase sempre relegada à posição de ‘artesanato’, foi sequestrada historicamente por viajantes e pesquisadores como item exótico de ‘sociedades que estavam prestes a desaparecer’. Ocorre que tal suposição não se concretizou ao longo da história, pelo contrário, houve fortalecimento dos povos indígenas, de suas identidades e lutas por direitos”, pontuam os representantes em carta aberta.
Sobre o livro, os indígenas relatam que só souberam da publicação devido à publicidade no site da editora responsável, a Seuil. Isso porque os desenhos irão integrar “Pinturas Caduveo – suplemento a Tristes Trópicos”, a ser lançado em novembro, na França.
Trecho da carte aberta que repudia publicação sem autorização. (Foto: Reprodução)
“Segundo o texto de apresentação, o livro será composto de reprodução em cores de uma série de desenhos feitos por mulheres ejiwajegi kadiwéu e dados ao antropólogo Claude Lévi-Strauss quando ele esteve na aldeia Nalike, em 1935”, descrevem os indígenas na carta aberta.
Os descendentes das autoras dos desenhos se espantaram com a falta de diálogo e comentam que não foram consultados em momento algum.
“Tendo em vista que esses desenhos são patrimônios do povo ejiwajegi kadiwéu, que são fruto de um conhecimento que é transmitido de geração a geração, acreditamos que nosso posicionamento é essencial para o lançamento de uma publicação que se refere a esses desenhos”, defendem.
Nesse sentido, eles ainda argumentam que, como patrimônio cultural, as artes precisam ser respeitadas e, sendo uma propriedade intelectual, necessitam de autorização.
“Tal reconhecimento é fundamental para reparar injustiças cometidas historicamente a esse povo, bem como promover a valorização e preservação da identidade e patrimônio ejiwajegi kadiwéu”, completam.
Fonte: Campo Grande News
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