No Brasil, possuímos uma cultura rica, cheia de personagens emblemáticos e astuciosos do folclore, mas ainda assim, escolhemos pendurar fantasmas e abóboras, e nos fantasiar de assassinos em série e personagens de filmes norte-americanos no Dia das Bruxas, comemorado nesta quinta-feira (31). O que poucos sabem, é que nesta data, também é celebrado o Dia do Saci, comemoração que acaba sempre “sufocada” pela cultura do país “vizinho”.
Antes de iniciar essa discussão, é importante saber a história por trás do dia 31 de outubro. O jornalista e pesquisador de folclore, Andriolli Costa, de 35 anos, conta que a data foi criada em 2003 pela ONC (Organização Não Capitalista), Sociedade dos Observadores de Saci, como uma “resposta” ao Halloween.
“Marcam esse dia para que, quando as pessoas falarem do dia 31 de outubro, também surjam pautas do Saci na mídia, mobilizar as pessoas, principalmente nas redes sociais. Mesmo que estejam discutindo, criticando, estão falando sobre o tema, e o objetivo é provocar esse espaço de discussão”, expressa Andriolli.
Assim como no próprio mito, que traz um personagem debochado, brincalhão e cheio de astúcia, a data também tem como princípio ser “provocativa”. As primeiras divulgações do Dia do Saci nasceram com o personagem devorando uma abóbora com carne seca, caçoando do principal símbolo do Halloween.
“O Saci não é do conflito, ele vai usar o do humor, ginga e astúcia para colocar o estrangeiro em seu devido lugar”, expressa.
Cultura “sufocada” pelo estrangeiro
É inegável que datas comemorativas estrangeiras, assim como suas tradições e estéticas, se sobressaem às tradições e celebrações locais. Conforme explica o pesquisador, isso acontece por conta da influência de músicas, livros e filmes produzidos em países Europeus e nos Estados Unidos. A quantidade de dinheiro e divulgação envolvidas nessas produções, fazem com que esses produtos atinjam as massas com facilidade, e se ‘infiltrem’ nos costumes de outras nações.
Para Andriolli, não existe problema algum em querer participar de costumes e festividades estrangeiras, o problema realmente acontece quando deixamos elas apagarem nossa identidade. Há quantas festas de Halloween você já foi convidado? E há quantas festas folclóricas? Esse é o principal questionamento.
“Não tem nada de errado as pessoas querem participar, o problema está quando ridiculariza ou menospreza a cultura brasileira”, expressa.
Andriolli pontua que as instituições de ensino poderiam cumprir um papel fundamental para ajudar as crianças e adolescentes a conhecerem a cultura local, porém, com a desculpa de que ambas as duas culturas, tanto o Halloween quanto o Folclore, são ligadas a práticas religiosas, as duas acabam ‘vetadas’.
“Já recebi depoimentos de professores que querem colocar o Dia do Saci junto com o Dia das Bruxas, para que seja trabalhado junto com os alunos para se falar de escola, território, família, valorização da cultura, mas não conseguem esse espaço porque alguns lugares entendem isso na perspectiva da ‘demonização’”, explica.
No caso do Halloween, o pesquisador explica que, apesar de ter origem em celebrações do povo celta, a festa como a conhecemos não faz referência a nenhuma religião sequer.
“Muita gente vai dizer que o Halloween tem a ver com festa Celta, mas quem fala isso ignora que a festa de Halloween dos Estados Unidos é muito mais entretenimento e indústria cultural do que entrelaço religioso”, destaca.
Saci é cultura da carapuça até a perneta
O pesquisador reflete que as escolas deveriam “abrir os olhos” para toda a riqueza cultural e histórica que a imagem do Saci carrega. Ele explica que o personagem é um mito que diz muito sobre os povos originários, os povos afro-brasileiros e os colonizadores europeus.
Explicando a imagem do personagem, o pesquisador explica que o Saci usa o gorro vermelho, que remete aos duendes europeus, carrega o cachimbo dos pretos velhos, o assovio de Exu e a perna única de Ossain – Orixá que tem uma perna só, e referência a troncos de árvores.
O próprio nome “Saci Pererê”, remete aos povos guaranis, com o conto de Yasy Yapere. No mito, o personagem tem como objeto de poder um cajado, e quando os humanos lhe roubam esse objeto, conseguem controlá-lo. O mesmo acontece com o mito da carapuça.
Atividades desenvovlidas com os alunos do Instituto Cooperar em semana folclórica (Foto: Instituto Cooperar)
Comemorações do Dia do Saci
No Brasil, diversas festas e ações que buscam referenciar a cultura folclórica, especialmente em relação ao Saci, que acontecem em mais de 20 cidades. Algumas das atividades desenvolvidas no país incluem passeatas, contação de história e exibição de filmes.
Em Campo Grande, o Instituto de Educação Cooperar anualmente promove atividades em alusão ao folclore brasileiro para os alunos da educação infantil, até o 9º ano.
As atividades desenvolvidas são o Recreio Folclórico, com brincadeiras folclóricas, roda de causos, oficina das personagens das lendas nacionais, e festas populares como quermesse, brincadeiras do boi-bumbá e Saci Pererê.
A professora Gabriela Tavares, de 40 anos, destaca que o folclore simboliza a essência da cultura popular, e por isso, transmitir esse conhecimento através das gerações é crucial para a preservação da identidade brasileira, principalmente com o público infantil.
“As crianças vivem num mundo imaginário onde são capazes de pensar e agir imitando situações, ouvir lendas, conhecer personagens que fazem parte da história do povo. Nessa idade eles ficam fascinados pela dança, comidas, brincadeiras e isso faz com que a criança vivencie o que as gerações passadas deixaram para a sociedade”, comenta Gabriela.
Para a educadora, faz bem para as crianças conhecerem outras culturas, como por exemplo, a do dia das bruxas, pois também faz parte do processo de aprendizado conhecer e aprender o que está sendo comemorado em outras nações.
Gabriela expressa que a diversidade reforça a noção de nacionalidade e de pertencimento. O que não pode acontecer é haver uma ruptura do incentivo às celebrações e práticas locais.
“Temos que acreditar que não deixaremos acontecer uma ruptura da cultura popular. Ensinar o folclore brasileiro significa despertar o interesse e curiosidade pela riqueza do nosso país, enriquecendo o pensar e aprendendo a ter empatia com o próximo”, diz.
Fonte: Campo Grande News
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