A Divisão de Perícias do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul indicou, após inspeções conduzidas nas duas unidades armazenadoras de grãos instaladas no município de Chapadão do Sul, que os acidentes fatais por engolfamento no interior de silos, ocorridos em junho e julho deste ano, tiveram como principais fatores o descumprimento pelas empresas de diversas obrigações relativas à segurança e saúde do trabalho, disciplinadas em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Previdência.
Essas conclusões fazem parte de relatórios finalizados pelo perito em Engenharia de Segurança do Trabalho Luiz Carlos Alves da Luz, os quais detalham as irregularidades identificadas em cada uma das empresas investigadas e apontam requisitos e condições mínimas para a implementação de medidas de controle e sistemas preventivos, como forma de minimizar o risco de acidentes similares.
Os empregados Cezar Nunes Souza, 22 anos, e Elias Venâncio da Silva, 47 anos, vieram a óbito nos dias 13 de junho e 4 de julho, respectivamente, motivado por engolfamento – captura de uma pessoa por grãos como soja que, quando aspirados, provocam a morte por enchimento ou obstrução do sistema respiratório.
As inspeções feitas nos estabelecimentos onde ocorreram os acidentes laborais consistiram na vistoria in-loco, entrevistas com trabalhadores – principalmente com aqueles que estavam no momento do acidente, registros fotográficos e análise de documentos e das condições de segurança e saúde ocupacional às quais os empregados das empresas permanecem expostos durante a execução de suas atividades laborais.
Fatalidades
O acidente laboral que vitimou o trabalhador Cezar Nunes Souza aconteceu na sede da empresa Bunge Alimentos S.A. em Chapadão do Sul. A unidade possui 11 empregados, sendo que Cezar prestava serviços por intermédio de acordo celebrado com o Sindicato dos Trabalhadores na Movimentação de Mercadorias em Geral de Chapadão do Sul (Sintran). Já o trabalhador Elias Venâncio da Silva prestava serviços na empresa JVB Armazéns Gerais Ltda., cujas instalações da unidade armazenadora de grãos ficam na Fazenda Chapada.
Conforme informações prestadas por dois trabalhadores da empresa que acompanhavam Cezar na limpeza do armazém, na data do acidente, todos utilizavam cinto de segurança tipo paraquedista de talabarte duplo, travaquedas, botinas de segurança, máscara de proteção respiratória, capacete, luvas e óculos de proteção. No entanto, próximo ao horário da ocorrência, as atividades aconteceram sem vigia ou supervisor, sendo que era comum a desconexão do cinto paraquedista das linhas de vida após os trabalhadores chegarem na parte mais baixa do piso do armazém, onde ficam as bicas, para uma maior mobilidade durante a realização das tarefas.
Um dos trabalhadores relatou ainda que, enquanto realizava a subida do piso inclinado do armazém, viu o trabalhador César dentro de uma das bicas, sendo coberto pela soja, sem qualquer possibilidade de socorro em razão do grande volume de grãos que se deslocou e acabou sendo depositado sobre a vítima.
No segundo acidente, notícias veiculadas à época informaram que o trabalhador Elias não teria respeitado as ordens de segurança no trabalho nem utilizava equipamento de proteção individual no dia do acidente.
“Observa-se que ainda vigora a visão reducionista e tendenciosa de que estes eventos (acidentes de trabalho) possuem uma ou poucas causas, decorrentes em sua maioria de falhas dos operadores. Mesmo as investigadas incorporando uma visão crítica a respeito da atribuição de culpa à vítima, para compreendermos o acidente em tela foi necessário entendermos no que consiste o trabalho, sua variabilidade, como ele se organiza, quais as dificuldades para sua realização com sucesso pelos operadores, os mecanismos e o funcionamento das proteções, entre outros pontos”, esclareceu o perito do MPT-MS Luiz Carlos Luz, em trecho do relatório.
Ao listar os principais fatores que cooperaram para a ocorrência dos acidentes fatais, o perito sublinhou que as empresas investigadas não informaram, adequadamente, aos trabalhadores os riscos ocupacionais no ambiente laboral; que a empresa Bunge deixou de implementar medidas coletivas de segurança, como a instalação de proteções junto às entradas das bicas; que a empresa JVB Armazéns Gerais permitiu que atividades em espaços confinados fossem realizadas sem a emissão da Permissão de Entrada e Trabalho (PET); que nas duas empresas as atividades estavam sendo realizadas sem vigia e supervisão; que o ambiente onde ocorreu o acidente fatal na empresa JVB Armazéns Gerais não dispunha de sistemas e pontos de ancoragem, bem como o trabalhador acidentado não era capacitado para atividades em espaços confinados nem para a realização de trabalhos em altura; que a empresa Bunge não possuía procedimentos de emergência e resgate nos moldes da Norma Regulamentadora nº 33 nem o Certificado de Vistoria do Corpo de Bombeiros Militar; entre outras irregularidades.
Por fim, o perito Luiz Carlos Luz concluiu os relatórios apontando medidas a serem adotadas pelas empresas para evitar que acidentes semelhantes aos investigados se repitam.
Monitoramento
Desde 2018, o Ministério do Trabalho e Previdência, por meio da Auditoria-fiscal do Trabalho, tem realizado fiscalizações de forma permanente nos silos e armazéns de Mato Grosso do Sul. Todas as empresas são notificadas, previamente, com um prazo de seis meses para adequações e, após encerrado esse período, são inseridas no cronograma de inspeções das fiscalizações. Até o início de julho deste ano, 454 empresas haviam sido notificadas e 310 fiscalizadas.
Em relação aos dois acidentes fatais, a Auditoria-fiscal do Trabalho informou que em um deles o silo ainda não havia sido notificado e o outro ainda estava no prazo concedido para regularização.
As principais causas de acidentes no setor são engolfamento e trabalho em altura, que correspondem a aproximadamente 90% dos casos de acidentes graves e fatais. Os outros 10% são de acidentes envolvendo máquinas e a parte elétrica.
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