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Indígenas repudiam “Frente Invasão Zero” e denunciam racismo institucional

Reunião de lideranças indígenas realizada em MS (Foto: Divulgação)

A Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) divulgou nota pública de repúdio à reunião realizada pela Frente Parlamentar Invasão Zero da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, no dia 3 de setembro de 2024. O evento, que contou com a presença de representantes de entidades como a Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul), Acrissul e Nelore Precoce, teve como pauta a cobrança pelo cumprimento de mandados de reintegração de posse em fazendas que são alvo de conflitos fundiários envolvendo comunidades indígenas, em especial o povo Guarani-Kaiowá, na região de Douradina.

A Apib, ao lado de outras entidades indígenas e organizações de direitos humanos, acusou a Assembleia de promover um debate parcial, voltado unicamente para interesses ruralistas, sem a participação de representantes indígenas ou órgãos de proteção aos direitos dos povos originários. De acordo com a nota, a reunião serviu como “palanque para discursos exclusivamente ruralistas”, agravando um cenário de discriminação e violência que já marca o histórico das comunidades tradicionais no Estado.

A reunião foi liderada pelo deputado estadual Carlos Alberto David (PL), que preside a Frente Parlamentar Invasão Zero, e teve como um dos principais defensores das reintegrações de posse o presidente da Famasul, Marcelo Bertoni. Em sua fala, Bertoni afirmou que a retirada dos produtores rurais em áreas reivindicadas pelos indígenas criaria novas injustiças, sugerindo que os Guarani-Kaiowá fossem “colocados em um canto” das propriedades enquanto a situação fosse debatida. Ele destacou a necessidade de liberar as terras para o plantio da safra de soja, que se inicia em 15 de setembro.

Os indígenas condenaram veementemente as falas de Bertoni, classificando-as como xenofóbicas e racistas. A entidade afirmou que os discursos proferidos na reunião inverteram a dinâmica de vítima e agressor, ao retratar os indígenas como invasores e os produtores rurais como vítimas. A Apib destacou que o povo Guarani-Kaiowá ocupa as áreas em questão há séculos e que as terras reivindicadas pelos indígenas são tradicionalmente ocupadas, conforme já reconhecido pela Funai (Fundação Nacional do Índio).

A nota de repúdio também trouxe à tona a violência enfrentada pela comunidade Guarani-Kaiowá na região de Douradina. Segundo a Apib, ataques com balas de borracha e armas de fogo foram perpetrados contra os indígenas, incluindo jovens, crianças e idosos, alguns dos quais ainda possuem projéteis alojados no corpo. Além da violência física, a organização denunciou a precariedade das condições de vida nas áreas de ocupação, com a falta de água potável, atendimento médico inadequado, insegurança alimentar e a ausência de escolas.

A Apib criticou a Assembleia Legislativa por não mencionar os ataques sofridos pelas comunidades indígenas e ressaltou que nenhum fazendeiro ou produtor rural foi alvo de violência por parte dos indígenas. A entidade acusou o poder público de omissão e de incentivar o racismo institucional ao promover debates sem a inclusão de representantes dos povos originários.

A entidade que representa os indígenas também abordou a questão do marco temporal, tese que defende a demarcação de terras indígenas apenas para áreas ocupadas ou reivindicadas na data de promulgação da Constituição de 1988. O tema foi rejeitado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), mas continua sendo discutido em instâncias legislativas e judiciais. A organização indígena argumentou que o marco temporal é uma tentativa de impedir a regularização de territórios tradicionalmente ocupados pelos povos indígenas e que a única solução para o conflito fundiário é a demarcação das terras.

A nota ainda lembrou o assassinato da liderança indígena Nega Pataxó, ocorrido na Bahia em janeiro de 2024, após discursos semelhantes ao de produtores rurais envolvidos no Movimento Invasão Zero. A Apib alertou que a disseminação de informações falsas e a criminalização das comunidades indígenas aumentam os riscos de violência contra esses povos.

Durante a reunião na Assembleia Legislativa, foi levantada a questão do descumprimento de ordens judiciais de reintegração de posse em áreas ocupadas pelos indígenas. No entanto, a Apib refutou essa alegação, afirmando que, no caso de Douradina, o Tribunal Regional Federal da 3ª Regiãohavia anulado uma decisão anterior de despejo, garantindo a permanência dos indígenas na área.

A organização criticou o uso de discursos sobre “proteção de terras” e “combate às invasões” para mascarar o histórico de expulsão e violência contra os povos indígenas. A Apib afirmou que o cenário atual em Mato Grosso do Sul reflete o descumprimento da Constituição Federal, que, no artigo 231, assegura aos indígenas o direito às terras que tradicionalmente ocupam.

Por fim, a Apib ressaltou a necessidade de que o poder público respeite os preceitos constitucionais de proteção aos povos indígenas e que as decisões judiciais e legislativas garantam os direitos assegurados pela Constituição. A entidade pediu que o debate sobre as terras indígenas seja conduzido com base no diálogo e no respeito aos direitos dos povos originários, e não em discursos que incentivem o preconceito e a violência.

Além da Apib, assinaram a nota de repúdio a o Conselho Terena, a Aty Guasu (Grande Assembleia do Povo Guarani Kaiowá), a Conectas Direitos Humanos e o Instituto Socioambiental.

Fonte: Campo Grande News

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